“Não me convidaram”: fotorreportagem sobre acessibilidade e 
mobilidade urbana em Belo Horizonte 

Por Gabriela Coelho

Belo Horizonte é feita de morros, calçadas estreitas e ruas que não se repetem. Mas nem todo mundo consegue caminhar por ela. Para quem tem deficiência ou mobilidade reduzida, atravessar a cidade é, muitas vezes, um percurso de obstáculos — e de silêncios. A ausência de rampas, a má conservação das vias, a falta de sinalização tátil e de transporte acessível excluem milhares de pessoas do convívio urbano.​​​​​​​
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, apenas 28,2% dos moradores da capital mineira vivem em áreas com rampas de acessibilidade nas calçadas próximas de casa. No cenário nacional, o número é ainda mais preocupante: 68,8% da população urbana reside em ruas que não possuem rampas para cadeirantes. 
"Pra gente, pessoa com deficiência, [pra sair de casa] tem que se programar como se fosse para uma viagem todos os dias." 

Vinícius Venades
Vinícius é estudante de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e, ao se deslocar diariamente para o centro da capital, onde assiste à maior parte das aulas, enfrenta diversas barreiras físicas no transporte público e nas calçadas da cidade: "às vezes, meus pais me acompanham no carro, mas aí a rotina financeira também complica".
“As calçadas também não têm adaptação. 
Eu ando desviando de buracos, degraus, às vezes preciso ir pelo meio da rua.”

Vinícius atravessando fora da faixa porque é a rampa com mais fácil acesso para a rua do outro lado.

Vinícius usando rampa projetada para veículos porque é uma das poucas do quarteirão.

Já é difícil chegar, e em alguns lugares, não dá nem para entrar. Algumas pessoas simplesmente não são convidadas aos espaços de lazer, educação, saúde e trabalho. Não basta conseguir se deslocar; é preciso também ser incluído e ter o direito de participar plenamente da cidade

Vinícius enfrenta obstáculos no transporte e nas ruas, mas as barreiras não acabam quando ele chega ao destino. Muitos espaços ainda não cumprem a NBR 9050, norma que deveria garantir acesso para todos. Em Belo Horizonte, prédios e estabelecimentos antigos seguem fechando portas, literalmente, para quem depende de acessibilidade.
“Muitas vezes, a pessoa [comerciante] não sabe sobre o assunto ou não quer atender porque acha que vai gastar demais, sem pensar na imagem positiva que um espaço acessível pode gerar para o negócio”

Angélica Picceli

A NBR 9050 é a norma técnica brasileira que estabelece os critérios e parâmetros técnicos para a elaboração de projetos, construção, adaptação e manutenção de espaços, edificações e mobiliários acessíveis. Publicada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), essa norma orienta a criação de ambientes que garantam a acessibilidade e a segurança para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. 

Como lembra Angélica Picceli, especialista em arquitetura inclusiva, a Prefeitura de Belo Horizonte não aprova mais projetos comerciais ou públicos que não atendam às normas de acessibilidade, mas a maioria das construções antigas não foram adaptadas. Ela destaca que a legislação brasileira é rigorosa e uma das mais completas do mundo nesse tema, mas que a aplicação ainda é lenta e insuficiente, tornando necessária a atuação do Ministério Público para cobrar melhorias. 
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Acessibilidade não é uma demanda exclusiva de pessoas com deficiência. Idosos, crianças pessoas obesas, gestantes e qualquer outra pessoa também se beneficiam de espaços planejados de forma inclusiva. 

“Quando eu faço um espaço acessível, estou construindo um lugar que vai atender também ao idoso, à pessoa com mobilidade temporária, a alguém que usa andador. A acessibilidade melhora a vida de todo mundo”, afirma a arquiteta.
Não me convidaram pra chegar lá (e,dessa vez, nem foi culpa da prefeitura).
Não me convidaram pra passear.
Não me convidaram pra turistar hidratado (ou usar o banheiro). 
Não me deixam sequer enxergar o caminho direito.
Apesar das leis, das normas técnicas e dos discursos institucionais sobre inclusão, a cidade ainda não convida todos a vivê-la plenamente. Para quem tem deficiência ou mobilidade reduzida, o simples ato de se deslocar, estudar, trabalhar ou se divertir pode se tornar uma jornada exaustiva, não apenas física, mas emocional. A acessibilidade, mais do que uma questão técnica, é um direito básico e um compromisso coletivo com a dignidade. Rampas mal planejadas, calçadas irregulares e portas estreitas continuarem a dizer “não” para uma boa parte da população.
Fotos: Gabriela Coelho e Bruno Pereira

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